O MÉTODO INTEGRAL E A ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS


O MÉTODO INTEGRAL E A ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS

AUTOR: ANA CECILIA OÑATIVIA


Pretende-se neste capítulo apresentar o Método Integral, criado pelo Dr. Oscar V. Oñativia, na Argentina, com o intuito de alfabetizar crianças que apresentavam dificuldades específicas de aprendizagem. Esta metodologia vem sendo usada no Brasil, principalmente na área da educação especial, com as adaptações pertinentes a cada caso. Para abordar a questão da alfabetização de alunos com necessidades especiais, considera-se necessário, primeiramente, traçar um panorama das práticas alfabetizadoras na atualidade. Só após ter realizado esta análise é que poderá se compreender melhor a proposta aqui apresentada: o método integral. Realizar-se-á uma breve descrição desta metodologia (fundamentos teóricos, etapas de aplicação e recursos didáticos), e seguidamente, serão abordadas as adaptações necessárias para os casos específicos de deficiência intelectual, surdez, cegueira e transtornos invasivos do desenvolvimento.

Práticas alfabetizadoras na atualidade
O atual momento histórico se caracteriza pelas aceleradas mudanças, com a peculiar manifestação da informática. Paradoxalmente, o sistema educativo vigente que data de fins do século XIX se encontra em crise, com práticas pedagógicas decadentes que respondem ao modelo de educação do período histórico denominado modernismo. As metodologias para o ensino da leitura e escrita eram, e são ainda, na maioria dos casos, puramente empíricos e não validados. Isto se confirma no caso da alfabetização de pessoas com necessidades educativas especiais, não devemos esquecer que por muito tempo na história foram consideradas inúteis e quando passaram a ser utilizadas como mão de obra, eram empregadas para o desempenho de trabalhos puramente mecânicos. Hoje sabemos que esta realidade mudou, ou pelo menos, há tentativas de mudanças, inclusive tem mudado a visão que se tem destas pessoas.
O processo de alfabetização do pós-modernismo requer melhor qualidade para responder às novas demandas da sociedade. No Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais, no que se refere à língua portuguesa, têm como base a concepção construtivista. Essas práticas são resultado de uma intensificação dos estudos e pesquisas centrados na psicologia e, mais recentemente, na psicolinguística, na sociolinguística e na linguística. Trata-se de compreender o processo de construção por parte da criança, do conhecimento sobre a língua escrita. Com base nesses estudos surgiram propostas didático-pedagógicas que procuram respeitar tal processo. Assim, os Parâmetros Curriculares Nacionais vigentes têm como base epistemológica a teoria construtivista, o que implica uma visão construtivista também no processo de aquisição da leitura e escrita. Consideramos importante ressaltar que o construtivismo não é um método de ensino, e sim uma concepção sobre como o ser humano se relaciona com o objeto de conhecimento. Acreditamos que, em muitos casos, existe uma grande distância entre o que a escola declara fazer e o que de fato faz. Muitas vezes os métodos são utilizados para “dar um nome”, talvez o “nome da moda”, mas o que se faz por trás desse nome é bem diferente. Outras vezes, é possível observar que se define a abordagem, mas faltam condições (recursos, estrutura, formação do educador) para colocá-la em prática. Este fato se agrava, se considerarmos o trabalho com aqueles alunos com necessidades educativas especiais. Uma crença até agora presente é que alfabetizar alunos com deficiência, principalmente nos casos de deficiência intelectual, implica recorrer a técnicas mecânicas de alfabetização, pois o sujeito com deficiência intelectual não teria possibilidade de construir o conhecimento. A prática com alunos tanto com deficiência intelectual, como com outros tipos de deficiência tem demonstrado que estes sujeitos têm possibilidades sim, de construção do seu saber, porém numa modalidade diferente, precisando de um tempo diferenciado e de uma condução do processo também diferenciada, com adaptações metodológicas. Consideramos de suma importância que o professor alfabetizador, seja antes de tudo um atento observador de seus alunos, que identifique suas necessidades e que esteja familiarizado com a proposta a ser aplicada. Seja qual for a proposta, a pedra angular do processo é o uso de materiais e orientações estruturados e previamente elaborados. O educador deverá entender os fundamentos da proposta que aplica, ou seja, não apenas como aplicar, mas também por que e quando aplicar.
Segundo Leda Tfouni (1988), a alfabetização pertence ao âmbito individual e o letramento refere-se aos aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita. A alfabetização, pelo motivo acima apontado, está ligada ao processo de escolarização (aquisição de habilidades que possibilitam as práticas de leitura e escrita). Porém, isso não significa que a alfabetização comece e termine com a instrução formal. Do ponto de vista socioconstrutivista, a alfabetização é um processo contínuo que acompanha as mudanças sociais, e é justamente isso que a aproxima do conceito de letramento.
A construção de conhecimento sobre a escrita implica aprendizagens específicas, diferentes de outros tipos de aprendizagem e, por outro lado, implica uma aprendizagem instrumental, pois servirá de base para novas aquisições. Um aluno que não adquiriu competência linguística certamente não será capaz de entender o enunciado de um problema matemático ou interpretar um texto de ciências. Ao mesmo tempo em que a construção do conhecimento da escrita é mediada pela competência linguística do aluno, a aquisição da escrita supõe um permanente processo de aprimoramento dessa competência, que se desenvolve com as práticas sociais de leitura e escrita.
Tendo como base estes princípios é que apresentamos a proposta do método integral.
Os primeiros trabalhos experimentais com o método integral começaram em 1965, no Departamento de Psicologia Educacional e Assistência Escolar da província de Salta, na Argentina. Criado e desenvolvido por Oscar V. Oñativia, o método foi inicialmente usado para atender crianças das escolas públicas que apresentavam dificuldades específicas na aprendizagem da leitura e da escrita. Depois de alguns ajustes nessas primeiras experiências, o procedimento foi estendido progressivamente a escolas particulares de primeiro grau, alfabetização de adultos e centros de educação especial para crianças com dislexia, autismo, afasia e lesão cerebral, bem como para cegos e surdos severos. Também foi usado na alfabetização bilíngüe, em comunidades aborígenes e no ensino de línguas modernas. Cerca de dez anos após a sua criação, o método começou a ser utilizado em outros territórios, entre eles, o Brasil.
A primeira experiência do método integral no Brasil foi realizada pela psicopedagoga Celma Vieira Cenamo, que o aplicou no tratamento de uma criança surda, com ótimos resultados. Esse trabalho foi relatado e publicado na Argentina pela Revista Del Instituto de Investigaciones Educativas sob o título “Aplicación del método integral en la enseñanza de la lecto-escritura para un niño com disturbios de lenguaje en grado muy grave” (CENAMO, 1982). Depois da experiência com essa criança, o método começou a ser aplicado em crianças e adolescentes com deficiência auditiva severa, atendidos no Instituto Anne Sullivan, em São Paulo.
O método integral deve seu nome ao fato de trabalhar simultaneamente – e desde o começo – três aspectos básicos da estrutura da língua escrita:

§  Aspecto semântico, que se refere ao significado da expressão na língua.
§  Aspecto gramatical, que se refere, de um lado, à sintaxe, ou seja, à combinação interna do texto e à sucessão de elementos para formar um sintagma; de outro, à morfologia, isto é, à constituição das palavras e suas variações (gênero, número, terminações verbais).
§  Aspecto fonológico, que se refere às unidades sonoras que fazem parte da palavra falada.

Além disso, o método integral se sustenta numa tríplice fundamentação: histórica, linguística e psicológica. Abordaremos brevemente a seguir essa fundamentação, já que é por meio dela que podemos compreender melhor sua proposta de aplicação.


Fundamentação histórica
A escrita surgiu, antes de tudo, por uma necessidade da urbanização: com o nascimento das cidades-estado, passou a ser essencial uma ferramenta intelectual que possibilitasse o registro de contratos comerciais e políticos (entre outros). Com a escrita o pensamento humano, deixa de ser mítico e faz-se racional, reflexivo, com a possibilidade de retornar ao que se pensou, criticar o passado e inferir sobre o futuro. A linguagem oral é enriquecida e retroalimentada pela linguagem escrita, tornando-se mais elaborada.
A didática da escrita não pode deixar de considerar essa evolução nem deve permanecer amarrada aos velhos pressupostos de uma visão limitada da escrita, que a considera como simples transcrição da palavra falada. Nesse caso, o processo de alfabetização se limita à aquisição de um código.
Com a escrita, o homem consegue unir dois grandes universos que até então tinham permanecido separados: o da palavra, com sua configuração fonética, e o icônico, dos desenhos gráficos.
Os pictogramas constituem a origem de qualquer representação que tenha por objetivo configurar um sistema ordenado de símbolos, enfatizando o aspecto da significação. Eles guardam grande semelhança com o objeto que representam. No curso da sua evolução, simplificaram-se e foram perdendo a semelhança com os objetos que representavam, até se converterem em ideogramas. A invenção da escrita possibilitou a resolução de um problema fundamental: a aproximação e intersecção da palavra falada, de um lado e, de outro, da representação visual desta. Em alguns casos, como os dos alunos surdos, pode-se até prescindir do aspecto fonológico, pelas próprias competências lingüísticas que a escrita origina. Nestes casos, a escrita se desenvolve com autonomia do primeiro sistema de articulação (a fonologia), potencializando o segundo sistema de articulação (as estruturas sintáticas, semânticas e morfológicas).
Nas diferentes comunidades linguísticas, a escrita se origina seguindo o caminho da semântica, ou seja, do sintagma e suas estruturas, independentemente de uma relação direta com a fonologia. É por isso que ela se apoia, primeiramente, no recurso dos pictogramas. Partindo dessa origem em comum, cada sistema de escrita segue o caminho mais indicado à natureza intrínseca de sua língua.

Fundamentação lingüística
A cuidadosa análise da linguagem escrita realizada por Oñativia (1990) permitiu-lhe concluir que ela constitui outra linguagem, diferente da falada. Por outro lado, afirma que, em virtude de sua elaboração e do aperfeiçoamento dos seus textos, a escrita retroalimentou a palavra falada e a potencializou com novas propriedades semióticas. Com isso, a palavra, originariamente simples, coloquial e intuitiva, adquire um nível de logos, de palavra refletida, incluída em um sistema especial de discurso, que vai das formas narrativas aos discursos filosóficos e científicos. Sendo esse um processo duradouro e que, portanto, possibilita a reflexão, Oñativia ressalta que a escrita não só é produto da invenção humana como também cristaliza a linguagem como uma "propriedade social".
A escrita consiste num sistema integrado por subsistemas inter-relacionados:
§  a sintaxe, que se refere à função que cada termo cumpre dentro do sintagma e como ele se articula com os outros;
§  a semântica, ou razão interpretativa, que se refere à compreensão dos enunciados e suas variantes quanto à significação;
§  a morfologia, que se relaciona com as mudanças internas dos radicais próprios dos termos com significação (a partir dessas unidades originárias e suas combinações com outras partículas determinantes – prefixos e sufixos –, constroem-se palavras e partículas com significados);
§  a fonologia, relacionada com os elementos sem significação própria e exclusivamente com valores fonéticos, no primeiro sistema de articulação da linguagem.

Segundo Oñativia (1990), segmentar o sistema linguístico para "didatizar" apenas o subsistema fonológico (fonético-grafemático) significa considerar a escrita como uma mera transcrição da linguagem oral, desconsiderando que um dos objetivos centrais da escrita é o da comunicação. Uma metodologia integral deve "didatizar" o sistema completo e simultâneo da gramática e da semântica, pois esse é o sistema semiótico da linguagem. Aqui se consolida o grande passo que o método integral propõe em relação à didática da leitura e da escrita.

Fundamentação psicológica
Com base na fundamentação linguística e histórica, é possível deduzir que a escrita é uma aquisição evolutiva do homem. Nesse sentido, ela constitui uma construção humana, um produto cultural. Oñativia (1983) concorda com Bresson ao sustentar que a linguagem oral só pode ser transposta à linguagem escrita parcialmente. A escrita, enquanto segunda expressão da linguagem oral, a supera, a ultrapassa e a retroalimenta.
Na fundamentação histórica do método integral, foi realizada uma análise filogenética, ou seja, relativa à evolução da espécie humana, e não cabe aqui repeti-la. O objetivo, no momento‚ é seguir a linha ontogenética da linguagem escrita (ou seja, referente ao desenvolvimento de um ser humano) e apontar como esse processo permite à criança adquirir a competência linguística para codificar e decodificar os textos escritos.
Num primeiro momento, o autor defende que ler e escrever é um fato cultural, isto é, um fato que envolve, de um lado, uma atividade sistemática de ensino-aprendizagem e, de outro, um esforço voluntário e uma motivação gnósica especial do aprendiz. Segundo Oñativia (1983), a aprendizagem da leitura e da escrita implica dois elementos imprescindíveis: interação social e motivação pessoal, já que a criança deve aprender a postergar seus impulsos imediatos e desenvolver atividades que são organizadas pelo professor em uma sequência temporal mais longa.
Oñativia (1983) concorda com Basil Bernstein, ao apontar que a linguagem coloquial e prática, de estrutura gramatical simples, comprometida com os níveis gestuais e analógicos da comunicação, desenvolve-se desde muito cedo, quando se inicia o período simbólico e representativo da percepção. Com a influência do código linguístico social (ou seja, um idioma), que responde a níveis socioculturais de maior organização e diferenciação sintática e semântica, a linguagem vai se aperfeiçoando progressivamente.
Um dos mecanismos desse aperfeiçoamento é a aquisição da linguagem escrita, já que esta retroalimenta a linguagem oral, reforçando-a e enriquecendo-a por novos modelos morfossintáticos. Assim, a diferença entre fala e escrita não consiste simplesmente, na forma de acesso a cada uma delas (a primeira pelo ouvido; a segunda pela visão e pela motricidade). Há um grande salto evolutivo entre a linguagem oral e a escrita, apesar de existir entre ambas uma mútua influência sociocultural. Por essa razão, a aprendizagem da linguagem escrita requer não só a análise fonológica, como também a gramatical e a semântica. Ou seja, aprende-se a fazer uso da língua escrita como uma totalidade diferenciada e estruturada em componentes gramaticais e semânticos.
Com um objetivo fundamentalmente pedagógico, Oñativia (1983) distingue diferentes estágios na evolução da linguagem oral e escrita.
Numa primeira etapa, a linguagem subordina-se à ação. O gesto acompanha a incipiente linguagem falada. Uma segunda etapa, se inicia quando ocorre a estruturação de frases, com uma organização sintática que está a serviço do significado verbal. Assim, a linguagem, inicialmente subordinada à ação, dá lugar à autonomia dos valores dos signos, possibilitando o desprendimento do presente imediato. O sujeito, graças à linguagem, poderá transitar no tempo, referindo-se ao passado e ao futuro. Essa etapa da infância corresponde aos relatos ligados a uma história gráfica que, em relação ao desenvolvimento filogenético, corresponderia ao surgimento da grafia simbólica-ideográfica. A última etapa de evolução do pensamento verbal constitui o desligamento definitivo da estrutura linguística das formas percepto-cinestésicas da ação, que cedem lugar a uma sequência sintagmática precisa. Nessa etapa, a linguagem coloquial torna-se discursiva. Esse é o período em que a escrita adquire primazia, retroalimentando continuamente a palavra falada. A aprendizagem da leitura e da escrita implica, pois, uma transformação das estruturas linguísticas, a fim de se alcançar uma linguagem independente da ação e que possa ser desenvolvida plenamente pelo indivíduo.
Um dos recursos utilizados pelo método integral – as cartelas pictográficas – tem como objetivo criar uma ponte entre a imagem-símbolo e a articulação da linguagem. Nas cartelas pictográficas procura-se, analogicamente, representar aspectos relativos ao referente:

-        como semelhança (desenho da casa, da mesa etc.);
-        como símbolo (o adjetivo "bonito" representado por bexigas coloridas e cheias de ar, em contraposição às bexigas murchas representando o adjetivo "feio");
-        como percepção cinestésica (representação vetorial de um movimento corporal com base no gesto da criança, por exemplo: ir: à ).

          Nesse processo de internalização da estrutura frasal por meio das cartelas pictográficas, deverão produzir-se as variações possíveis nas construções.
Esses exercícios são denominados de dinâmica gramatical. Por exemplo, substituição do sujeito (substantivo) na oração ou variações morfológicas de número ou gênero. As cartelas pictográficas representam, portanto, um recurso importantíssimo nessa fase de aquisição de uma das funções representativas da linguagem, a escrita. Eles constituem uma ponte entre a linguagem oral e a escrita.

Etapas e recursos metodológicos

Primeira etapa
Enfatizando a estrutura semântica do sistema e imitando os inventores da escrita, o método integral começa com o uso dos pictogramas, que funcionam como ideogramas (fornecendo o sentido do texto) e simultaneamente cumprem uma função gramatical (dando a estruturação sintática do texto e indicando as variações morfológicas). Os principais recursos didáticos a ser usados nessa etapa são: cartelas-desenho (ou cartelas pictográficas), cartelas-palavra, fraselógrafo e fichário gráfico.
As cartelas-desenho (ou cartelas pictográficas) são materiais essenciais para introduzir o aluno no mundo representativo da linguagem. Nelas, encontra-se representada, de forma esquemática, a ideia da "coisa", da "ação" ou da "qualidade" que o aluno ou a professora querem nomear. Podem ser feitas de duas maneiras. Se for trabalhar com a classe toda, o professor deve elaborar cartelas feitas de cartolina com aproximadamente 23 cm x 14 cm. Mas se a ideia for que os alunos trabalhem individualmente, as cartelas devem ser confeccionadas em papel-espelho ou color-set, com aproximadamente 4 cm x 6 cm. As cartelas-desenho têm sua cor definida conforme a função gramatical das palavras que representam. No Brasil, é usado o seguinte código:

-         cartelas brancas: indicam substantivos;
-         cartelas amarelas: indicam artigos;
-    cartelas laranja: indicam verbos;
-    cartelas cinza: indicam adjetivos e numerais;
-    cartelas azul-claras: indicam advérbios;
-      cartelas brancas com moldura cor-de-rosa: indicam pronomes            pessoais;
-         cartelas cinza com moldura cor-de-rosa: indicam pronomes possessivos, interrogativos, demonstrativos, relativos e indefinidos;
-      cartelas verdes, na metade de uma cartela: indicam preposições;
-         cartelas metade verde e metade amarela: indicam contração de preposição e artigo;
-         cartelas vermelhas, na metade de uma cartela: indicam conjunção;
-         cartelas roxas, na metade de uma cartela: indicam interjeição;
-         cartelas brancas, na metade de uma cartela: indicam os sinais de pontuação.

Esses critérios adotados para assinalar a função gramatical das palavras não são rígidos e podem mudar de acordo com as circunstâncias. O importante é que, uma vez estabelecidos, sejam mantidos constantes na instituição, escola ou caso específico em que se trabalha. Por outro lado, categorias gramaticais como pronomes relativos e indefinidos são menos usuais nas primeiras frases pictográficas construídas pela criança, e provavelmente começam a ser usados pelo aluno já alfabetizado. Assim, essas categorias gramaticais devem ser trabalhadas em anos mais avançados do curso escolar, e não no início da alfabetização.
Já com relação ao aspecto semântico das cartelas pictográficas, ou seja, o significado das palavras dentro da oração, seguem algumas observações:

-     As cartelas brancas levam o desenho esquemático de pessoas, animais ou coisas (substantivo sem movimento) para que possam ser usadas em qualquer oração.
-         As cartelas amarelas (sem desenho) são usadas para qualquer artigo, já que a flexão deles é definida pelo substantivo que vem em seguida. A leitura do substantivo dá imediatamente à criança a ideia do artigo que vem antes. Em caso de plural, a cartela do substantivo deve conter o desenho correspondente à ideia que representa mais a metade do mesmo desenho, dando assim a ideia de indefinição própria do plural.
-         As cartelas laranja levam símbolos convencionais que representam ações (verbos). O uso da seta acompanhada de traços que conotam ação parece ser a melhor forma de simbolizá-los. Isso evita possíveis estereótipos e permite que uma mesma cartela seja usada para representar qualquer forma ou inflexão verbal: pular, pula, pulou etc.
-     As cartelas cinza que indicam adjetivos não devem conter representações figurativas. Elas requerem certa abstração porque devem representar qualidades, sem figurar o objeto qualificado. Na maioria das vezes, são construídas por contraste, por exemplo: o adjetivo triste pode ser representado por um rosto com a boca virada para baixo e feliz por um rosto com sorriso.
-     As cartelas azul-claras (advérbios), assim como os adjetivos, não devem envolver representações figurativas. Geralmente são construídas por contraste com seu oposto. Por exemplo: “muito” é representado por uma cartela toda pontilhada; “pouco”, por uma cartela com poucos pontos.
-     As cartelas brancas com moldura cor-de-rosa (pronomes pessoais) são representadas com pontos e setas, conforme a pessoa de quem se fala.
-     As cartelas cinza com moldura cor-de-rosa, como já dissemos, podem representar pronomes possessivos, interrogativos, demonstrativos, relativos e indefinidos. Em cada caso, devem ser construídos de uma forma. Para os pronomes possessivos, as cartelas seguem o mesmo esquema das anteriores, com a única diferença de que levam um círculo tracejado em volta, conotando aquilo que está ao redor da pessoa. No caso dos pronomes interrogativos, levam um sinal de interrogação em algum local da cartela. Já no caso de pronomes demonstrativos, as cartelas levam o desenho de um ponto e um “dedo indicativo” e, para os pronomes relativos e indefinidos, as cartelas se apresentam com pontilhado.
-         A metade de uma cartela verde, indicando preposição, não leva nenhum símbolo, já que sua leitura é realizada segundo o contexto da frase. Por exemplo, na oração “O sapato é de couro”, não caberia outra preposição a não ser “de”.
-         As cartelas metade verde e metade amarela (contração de preposição e artigo), assim como a metade vermelha (conjunção) e a metade roxa de uma cartela (interjeição) tampouco levam símbolos indicativos, pelo mesmo motivo do item anterior.
-         As cartelas brancas (sinais de pontuação) levam o signo de pontuação correspondente.
O fraselógrafo é um dispositivo que serve como suporte para que se pendurem as cartelas-palavra, as pictográficas ou as silabadas. Consiste
numa moldura com cerca de 1,60 m. de largura e altura graduável, na qual se colocam três fileiras paralelas de arame ou barbante para se pendurar as cartelas, talvez até mesmo com pregadores de roupa. A primeira fileira se destina às cartelas pictográficas, a segunda, às cartelas-palavra e a terceira, às silabadas. Se desejar substituir esse dispositivo, o professor pode optar por construir o fraselógrafo sobre a lousa ou a parede, colocando, em pontos equidistantes, pequenos pregos para dispor barbantes.

O fichário gráfico (também conhecido como flip chart e usado com frequência por conferencistas ou instrutores) consiste em duas pranchas de madeira, unidas entre elas por dois pregos tipo borboleta dispostos nas extremidades, de modo que se possa colocar entre ambos certa quantidade de folhas de papel de tamanho grande, que são viradas para trás quando se termina de utilizá-las. O flip chart é usado para escrever, com caracteres grandes, algumas das frases previamente construídas no fraselógrafo. Dessa forma, passa a ser uma espécie de "livro de aula", que poderá ser consultado diariamente pelos alunos.
As cartelas pictográficas deverão ser apresentadas num contexto de brincadeira ou diálogo com o aluno. Recomenda-se mostrar primeiro os substantivos no singular, para só então introduzir o plural. Depois de apresentar os substantivos, são introduzidos os artigos definidos, cuja flexão é determinada pelos substantivos que aparecem em seguida. Desse modo, como já dissemos, os artigos não precisam ser simbolizados por nenhum desenho, pois a leitura do substantivo proporciona imediatamente à criança a ideia do artigo que o antecede. Nesse momento, deverão ser trabalhados ambos os gêneros: masculino e feminino.
Os artigos indefinidos serão introduzidos mais tarde, pois seu uso depende do sentido da frase, quando se fala de um substantivo que ainda não foi especificado. A introdução de verbos pode ser feita por meio de frases que expressam a ação de um substantivo ou do próprio aluno. Quando surgirem verbos que ainda não tiverem sido simbolizados, os alunos podem sugerir formas de representá-los. Caso surja uma simbolização figurativa, o professor deve induzir a uma mais esquemática. Para favorecer o trabalho com os verbos, deve-se, inicialmente, usar verbos intransitivos no pretérito perfeito, pois o presente e o futuro envolvem conjugações compostas na linguagem coloquial, como "eu estou comendo" (no lugar de "eu como") e "eu vou comer" (no lugar de "eu comerei"). Com base na primeira frase criada, pode-se fazer variações com interrogação e resposta afirmativa ou negativa. Nesse caso, introduzem-se os sinais de interrogação (que, como qualquer outro sinal de pontuação, deve ser desenhado na metade de uma cartela branca) e os advérbios afirmativos e negativos.
Os verbos transitivos indiretos implicam uma estrutura sintática mais complexa, por conta da presença de uma preposição na frase. No começo, é preferível usar verbos com mais significado para os alunos, como "gostar", “brincar”.
A fim de facilitar a compreensão do emprego dos adjetivos, é conveniente trabalhar inicialmente com o verbo "ser". A atividade sugerida é a descrição de um objeto, pessoa ou animal com adjetivos antônimos, já que a apresentação por contraste facilita relacioná-los e compreender o significado de cada um.
Os advérbios devem ser introduzidos gradativamente conforme as frases exigirem. A introdução dos pronomes deve ser posterior ao domínio da simbolização de frases simples. Pode-se começar pela substituição do nome da criança pelo pronome pessoal "eu".
Os alunos construirão todas essas frases com as cartelas pictográficas, usando a primeira linha do fraselógrafo. Também poderão trabalhar individualmente em seus cadernos, usando cartelas de aproximadamente 6 cm x 4 cm, feitas em papel- espelho e desenhadas por eles mesmos. Nessa etapa, já devem ser introduzidos os exercícios de dinâmica gramatical e morfológica. Assim, por exemplo, tomando como base a frase "O menino come bolo", o aluno constrói outras, mantendo pelo menos um dos elementos da frase: "A menina come bolo"; "Os meninos comem bolo"; "As meninas comem bolo"; "O pato come bolo"; "O cachorro come bolo" etc. Nesse exemplo, manteve-se a ação e mudou-se o sujeito que realiza a ação. O professor pode direcionar essas construções, perguntando, por exemplo: “Além do menino, quem mais come bolo?” (porém sempre em um contexto significativo para o aluno). O objetivo desses exercícios é que o aluno adquira plasticidade no pensamento e, assim, os esquemas mentais necessários para a leitura já estarão adaptados às construções mais complexas a ser enfrentadas.

Segunda etapa do método integral
Um recurso didático importante nesta etapa do método integral são as cartelas-palavra, feitas com cartolinas semelhantes às anteriores, de igual tamanho e cor, nas quais está escrita a palavra correspondente a cada uma das cartelas-desenho, em letra cursiva ou de forma. Essas cartelas permitem apresentar orações escritas que reproduzem, paralelamente, as "orações pictográficas" confeccionadas com as cartelas-desenho.
Outro recurso didático necessário para o método integral é a lousa magnética que consiste numa prancha metálica, de aproximadamente 1 m x 0,6 m, sobre a qual se prendem, com pequenos imãs, as cartelas silabadas.
As cartelas silabadas são cartelas feitas em cartolina de forma e cor iguais às das cartelas-palavra, em que se devem escrever as mesmas palavras usadas na formação das frases, mas agora separadas por uma linha pontilhada transversal, indicando as sílabas de cada palavra. Essas cartelas são usadas no período da decomposição silábica, permitindo visualizar a composição das palavras em sílabas e orientar a observação daquelas que se deseja destacar. Já as cartelas-sílaba são feitas de cartolina, de aproximadamente 6 x 6 cm, em cor branca, nas quais se escrevem apenas sílabas, que servirão para a composição de diversas palavras. Essas cartelas-sílaba podem eventualmente ser feitas com imãs na parte de trás, e aí se pode usar como suporte o imantógrafo ou a lousa magnética.
Uma vez que o aluno tenha internalizado as estruturas do sintagma, as suas variações sintáticas e morfológicas, as cartelas pictográficas serão substituídas pelas cartelas-palavra. É nesse momento – depois de uma adequada consolidação da mecânica articular fonética e sua correspondência grafemática – que a criança internaliza completamente as matrizes da língua. É quando, de acordo com Oñativia (1986), ela adquire uma autêntica competência da linguagem: a criatividade e a reflexão metalinguística sobre a língua. Nessa etapa, Oñativia (1986) recomenda os seguintes procedimentos:

A.   Proporcionar o reconhecimento das expressões por "leitura" das frases pictográficas. Na segunda fileira do fraselógrafo, logo abaixo das cartelas pictográficas, deve-se dispor as cartelas-palavra correspondentes, escritas com letra cursiva ou de forma. Essas cartelas devem respeitar a cor de fundo estabelecida para cada função gramatical, para que a associação seja completa.
B.   As orações devem ser extraídas daquelas sugeridas e organizadas pictoricamente pelo aluno, as quais resultam de construções simples. Os temas podem ser muito variados, e os sons e as letras que constituem as palavras, de diferente formação e articulação.
C.  Nessa etapa, também se recomendam os exercícios de dinâmica gramatical e morfológica, com as cartelas-palavra. Isso evita a memorização das frases, enriquece o vocabulário e permite exercitar uma linguagem criadora, que incidirá mais tarde no estilo das composições escritas.
D.  Para afiançar a ortografia das palavras, recomenda-se o emprego do "dicionário funcional" da aula, que consiste num retângulo de madeira de 60 cm x 50 cm, com pequenos pregos curvados. Nesses pregos são penduradas cartelas onde se escrevem as palavras cuja ortografia represente certa dificuldade para os alunos. O número de pregos no tabuleiro deve ser igual ao número de letras do alfabeto, de tal modo que, ao surgir uma nova palavra, ela será analisada pelas crianças e logo colocada no lugar correspondente.
E.   Por fim, é importante deixar registradas no fichário gráfico algumas das frases trabalhadas na sala de aula. Ele constitui o livro de leitura dos alunos, que diariamente podem recorrer a ele para realizar a leitura das frases e lembrar como são escritas as palavras. A ordem das folhas deve ser sempre alterada para evitar a memorização.

Quando os alunos possuem certo número de orações como material de leitura no fichário gráfico, pode-se iniciar o trabalho silábico. Para isso, o professor inicialmente seleciona, entre as orações trabalhadas, aquelas com sílabas mais fáceis de escrever e com fonética clara. Utiliza-se, então, o fraselógrafo, como nos casos anteriores, mas dessa vez destaca-se a sílaba que vai ser estudada (veja a figura a seguir). Depois de destacadas algumas sílabas – o suficiente para construir novas palavras –, serão usadas as cartelas-sílaba imantadas. Na lousa magnética, o aluno poderá combinar as sílabas a fim de formar novas palavras, que serão integradas em outras frases. Quando as crianças alcançarem certa segurança no uso das sílabas simples e diretas, pode-se começar a utilizar as sílabas mais complexas (pra, vro, an, em, al etc).

Alfabetização de pessoas com deficiência intelectual
No caso de deficiência intelectual o grande desafio é o de respeitar o tempo de aprendizagem dessas pessoas e o de atender suas necessidades imediatas. Consideramos importante aqui, realizar uma breve caracterização da deficiência intelectual.
Para a Associação Americana do Desenvolvimento Mental (AADM), uma pessoa deficiente intelectual é aquela que apresenta um funcionamento intelectual significativamente inferior à média, originado no período do desenvolvimento da criança, caracterizando-se por limitações substanciais nas habilidades adaptativas.
A deficiência intelectual pode manifestar-se em graus variados e dificultar a adaptação do indivíduo ao meio em que vive também em diferentes níveis. Em função desse atraso, ele poderá encontrar dificuldades no aprendizado de diversas habilidades ao longo da vida, mas oferecidas as condições necessárias e o suporte adequado para o seu desenvolvimento o processo de evolução e adaptação desta pessoa no seu meio social poderá ser radicalmente diferente.
O Referencial sobre Avaliação da Aprendizagem na área da Deficiência Intelectual (2008) cita o sistema conceitual de 2002, da Associação Americana de Retardo Mental (CARVALHO E MACIEL, 2003; AAMR, 2006; FONTES, PLETSCH, BRAUN, GLAT, 2007) em que são consideradas cinco dimensões de análise para o estabelecimento do diagnóstico:
Dimensão I: Habilidades Intelectuais – concebida como capacidade geral de planejar, raciocinar, solucionar problemas, exercer o pensamento abstrato, compreender ideias complexas, apresentar rapidez de aprendizagem e aprendizagem por meio da experiência;
Dimensão II: Comportamento Adaptativo – considerando-se o conjunto de habilidades práticas, sociais e conceituais, com o seguinte significado:
·      Conceituais: relacionada aos aspectos acadêmicos, cognitivos e de comunicação;
·      Sociais: relacionadas à responsabilidade, auto-estima, habilidades interpessoais, credulidade e ingenuidade, observância de regras e leis.
·      Práticas: exercício da autonomia –atividades de vida diária, ocupacionais e de segurança pessoal.
Dimensão III: Participação, Interações, Papéis-sociais –que deverá considerar a participação do sujeito na vida comunitária –avaliação das interações sociais e dos papéis vivenciados pelas pessoas.
Dimensão IV: Saúde –condições de saúde física e mental –fatores etiológicos e de saúde física e mental.
Dimensão V: Contextos –relacionado ao ambiente sócio-cultural no qual a pessoa com deficiência intelectual vive e como se dá o seu funcionamento nestes contextos.
Além de ampliar o campo de análise conceitual da deficiência intelectual, considerando as interações sociais a que essa pessoa é exposta, deveremos considerar que níveis de apoio serão necessários para assegurar o seu desenvolvimento pleno.        Para traçar um plano de trabalho efetivo destinado ao aluno com deficiência intelectual, deve se partir de uma criteriosa análise das necessidades específicas desse aluno, sua modalidade de aprendizagem dentro do marco do referente curricular do ano em que está matriculado, considerando adaptações nos elementos curriculares, ser for o caso, procedimentos de ensino, avaliação da aprendizagem e tempo do desenvolvimento da proposta educativa.
Um dos aspectos de grande peso na área da deficiência intelectual está ligado à metodologia de ensino no contexto da classe regular. Esta metodologia deverá partir do suposto que o aluno com deficiência intelectual deve ser um membro participativo do grupo classe. No que se refere ao processo de aquisição da leitura e escrita a proposta metodológica deverá ser flexível o suficiente para acompanhar as necessidades desse aluno e ao mesmo tempo considerar os objetivos e conteúdos que estão sendo trabalhados. Por outro lado, se considerarmos as dimensões acima apresentadas, a proposta de ensino da leitura e escrita deve priorizar a participação e interação do aluno na vida comunitária, portanto a alfabetização deverá desde o início considerar as possibilidades e necessidades de atuação desse sujeito nos ambientes sociais dos quais participa. Hoje sabemos que para participar efetivamente das relações sociais que se tecem numa sociedade letrada, não basta conhecer as letras e aprender a combiná-las, mas é fundamental adquirir a competência lingüística, ou seja, a capacidade de usar a língua escrita como ferramenta para se adentrar no mundo letrado.
A aplicação do método integral não sofrerá grandes mudanças nestes casos, a não ser no que se refere à duração de cada etapa, levando em conta as necessidades de cada caso. É importante lembrar que desde o primeiro momento a aquisição da leitura e escrita deve fazer sentido para estas pessoas, ou seja, estar diretamente ligada às necessidades do dia a dia. O método integral permite esta flexibilidade, já que não existem frases pré-estabelecidas para iniciar. Podemos partir, por exemplo, da confecção de uma lista de produtos com seus respectivos valores e de frases com as etapas a serem seguidas para atendimento ao público num restaurante, caso a pessoa esteja se profissionalizando. No caso de crianças, podemos partir de textos de músicas ou parlendas da preferência delas, realizado a construção de frases referentes ao tema de forma gradual. É muito importante, no momento da construção dos símbolos pictográficos, que estes sejam realmente vivenciados pela pessoa, a realização do gesto indicativo é fundamental, pois é ele a matriz do signo e base que dará sustento ao significado daquela palavra.

Alfabetização de pessoas surdas
Para apresentar uma efetiva proposta de imersão do aluno surdo no universo da língua portuguesa na forma escrita se faz necessário partir de um aprofundado conhecimento do funcionamento da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), estabelecendo as diferenças e semelhanças entre estas duas modalidades linguísticas.
Segundo Vygotsky, a linguagem não depende da natureza do meio material que utiliza. O que importa é o uso efetivo de signos, de quaisquer formas de realização, que possam assumir papel correspondente ao da fala. A linguagem não está necessariamente ligada ao som (GÓES, 1999).
No que respeita ao ensino da língua escrita para crianças usuárias da língua de sinais, concordamos com os pesquisadores Neuroth-Gimbrone & Logiodice apud Harrison, Lodi e Moura (1997), que comentam que é indispensável que se faça evidente para as crianças que elas estão sendo expostas a duas línguas. Para facilitar a distinção entre elas, o professor deverá utilizar exemplos concretos, de situações cotidianas, onde essas duas línguas ocorrem naturalmente. Desta forma as diferenças estruturais entre as duas línguas tornam-se mais claras, facilitando assim, a compreensão da leitura e a produção escrita. Para a criança surda bilíngue, não há nenhuma relação estrutural a ser descoberta entre a primeira língua sinalizada e a língua majoritária apresentada pela escrita. Não há código a ser decifrado como ocorre quando crianças ouvintes descobrem que a escrita representa a fala.
Pesquisadores se dividem quanto as possíveis propostas usadas para ensinar ao surdo a língua majoritária ouvinte. Por um lado, um grupo de autores diz ser necessário que a criança surda –da mesma forma que a ouvinte- utilize códigos fonológicos para ler, valorizando a descontinuidade entre a estrutura das línguas. Por outro lado, há um grupo que sustenta que esses códigos não são determinantes para a criança surda atingir bons níveis de proficiência em leitura. (GUTIÉRREZ, 1999).
Na segunda perspectiva, ler um texto significa compreender seu conteúdo, para o qual se faz uso da língua de sinais. Neste caso, as duas linguagens são comparadas e contrastadas, sem estabelecer simples correspondência sub-lexical entre os sinais e as palavras. Para esta vertente, as unidades com significado nos textos são expressas em palavras e frases, sem necessidade de separar palavras em unidades fonêmicas. A proposta do método integral para surdos apoia-se nesta segunda perspectiva e é denominada de sistema V.E.L. (visual, estrutural e linguístico). A adaptação mais importante é a de criar os símbolos das cartelas pictográficas a partir dos sinais de LIBRAS, o que é possível se tratando de substantivos, verbos, adjetivos, advérbios. Já para o caso dos artigos, preposições, contrações de preposição com artigo, entre outros termos, será necessário se utilizar do alfabeto digital para soletrar as palavras. O uso das cores é fundamental para enfatizar a estrutura da língua portuguesa escrita como diferente da LIBRAS. Isto assegurará a aquisição da língua escrita de acordo com os moldes do português e não, como costuma acontecer, de uma língua escrita com uma estrutura diferente que não é nem da LIBRAS nem do português escrito, pela falta de conectivos, a ordem trocada das palavras, entre outros aspectos.

Alfabetização de pessoas deficientes visuais
No caso da deficiência visual é importante considerar se se trata de pessoas de baixa visão ou cegas. No primeiro caso, as adaptações do método integral serão as mesmas que as sugeridas para outros tipos de aprendizagens (aumentar o tamanho da fonte dos textos a serem lidos, uso de lupa, caderno com a pauta ampliada, entre outras). No segundo caso, será necessária uma adaptação das cartelas pictográficas e cartelas palavra, assim como as silabadas. As cartelas pictográficas serão construídas a partir da vivência por outros meios que não os visuais, como o tato (uso de miniaturas para perceber o formato do objeto, perceber diferenças de texturas), o olfato (perceber diferentes odores), a audição (para diferenciar objetos que produzem som), o paladar (diferenciar gostos diferentes, caso os objetos estejam relacionados ao paladar) ou a própria expressão corporal para expressar movimentos, ações que darão melhor compreensão ao uso dos verbos nas frases. Para grafar o símbolo na cartela pictográfica usa-se cola colorida que deixa relevo na superfície da cartela. Já no caso das cartelas-palavra e silabadas usa-se a escrita em Braille, que pode ser realizada usando a reglete ou a maquina de escrever em Braille. É importante ressaltar que simultaneamente ao uso do método integral, deverão ser realizadas atividades próprias para a aquisição do sistema Braille, com os recursos apropriados para isto como o alfa-braille e jogos que incluem o uso deste código (para maiores referências consultar o site do Lara-Mara ou da Associação Dorina Nowill). As cores das cartelas serão mantidas em função da possibilidade do trabalho conjunto com crianças videntes. Para o caso das pessoas cegas serão utilizados materiais de texturas diferentes para cada função gramatical, como por exemplo, cartolina para o substantivo, feltro para as preposições, papel canelado para os verbos, etc. Não existe uma relação fixa entre tipo de material e função da palavra na frase. Esta pode ser estabelecida conforme as possibilidades e necessidades, desde que uma vez determinada se mantenha constante para o  sujeito ou grupo com que se irá trabalhar.

Alfabetização de pessoas com transtornos invasivos do desenvolvimento

Autismo ou Transtorno Autista é uma desordem que afeta a capacidade da pessoa comunicar-se, se relacionar e responder apropriadamente ao ambiente que o rodeia. Por ser uma perturbação global do desenvolvimento, evolui com a idade e se prolonga por toda a vida.
No DSM-IV-TR (2002), o Transtorno Autista consiste na presença de um desenvolvimento comprometido ou acentuadamente anormal da interação social e da comunicação e um repertório muito restrito de atividades e interesses. As manifestações do transtorno variam imensamente, dependendo do nível de desenvolvimento e da idade cronológica do indivíduo.
Pelo CID-10 (2000), Autismo infantil ou Transtorno global do desenvolvimento é caracterizado por um desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes da idade dos três anos, e apresentando uma perturbação característica do funcionamento em cada um dos três domínios seguintes: interação social, comunicação, comportamento focalizado e repetitivo.
Segundo GAUDERER (1987), as crianças com autismo, em geral, apresentam dificuldades na área da linguagem, mas quando participam de um programa intenso de trabalho, parecem ocorrer mudanças positivas nas habilidades lingüísticas, motoras, interação social e a aprendizagem. Conhecer o que o aluno é capaz de fazer, mesmo que com mediação de outros, permite ao professor elaborar estratégias de ensino próprias e adequadas a cada aluno em particular. A utilização do método integral deverá partir, portanto, de uma criteriosa avaliação das possibilidades do aluno, para poder assim planejar as adaptações necessárias deste recurso. De forma geral, os passos metodológicos serão os mesmos apresentados acima, mas uma especial ênfase deverá ser dada à primeira etapa, a pictográfica, pela própria dificuldade da criança de simbolizar. Por isto a criação dos símbolos pictográficos deverá acontecer a partir de situações concretas, plenamente vivenciadas, realizando-se uma associação direta entre o a ação ou objeto a ser representado e os símbolos a ser criado. Na etapa de passagem para a escrita, deverá se realizar o uso funcional das palavras e frases que vão sendo apresentadas, isto é usar as palavras que estão sendo aprendidas em situações do dia a dia da criança, como por exemplo, elaborar uma lista de compras para ir ao supermercado ou uma lista de pertences para levar numa viagem. Na etapa de análise silábica, realizar jogos e atividades que possibilitem diversas combinações de sílabas, formando palavras que imediatamente deverão ser contextualizadas, evitando-se assim uma aprendizagem mecânica e sem sentido.

Sugestão de atividades e leituras de apoio
Para complementar as informações que foram apresentadas neste capítulo indicamos a leitura dos livros:
ONATIVIA, A. C. “Alfabetização em três propostas: da teoria à prática” São Paulo: Ática, 2009. Neste livro, além de sugestões de atividades com o método integral, há modelos ilustrados das cartelas pictográficas e outros recursos que neste capítulo foram mencionados.
Os três porquinhos: história recontada por Alessandra E. Piccinini...(et al.) São Paulo: Memnon, 2000, foi o primeiro livro de uma série de histórias recontadas pelos alunos do Centro de Convivência Movimento, fazendo uso do Método Integral.
Da Série Contos e Lendas Brasileiros, Curupira: o protetor das florestas/ilustrações de Jefferson Galdino. São Paulo: Noovha América, 2010. Da mesma série podem se consultar outros títulos do folclore brasileiro.
CENAMO, C. V. Aplicação do método integral em al enseñanza de la lecto-escritura para un nino com distúrbios de lenguaje em grado muy grave. Revista del Instituto de Investigaciones Educativas, v. 8, n. 35, 1982.
Vídeo: Construção da Escrita. Módulo I do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), realizado pelo MEC em 2001. Este vídeo apresenta uma aproximação à psicogênese da língua escrita, através de entrevistas realizadas com crianças em processo de construção da escrita. Pretende-se neste vídeo ajudar o alfabetizador a compreender parte do longo e complexo processo através do qual chega-se à apropriação do sistema alfabético.


Referências Bibliográficas

CENAMO, C. V. Aplicação do método integral em al enseñanza de la lecto-escritura para un nino com distúrbios de lenguaje em grado muy grave. Revista del Instituto de Investigaciones Educativas, v. 8, n. 35, 1982.
GÓES, M.C.R. Linguagem, surdez e educação. 2 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 1999.
GUTIÉRREZ, A.B.D. Lenguaje escrito y sordera: Sobre qué cuestiones es importante reflexionar. In: GUTIÉRREZ, A.B.D. & ALONSO, C.V. (orgs.) Lenguaje escrito y sordera: enfoques teóricos e derives práticas. Publicaciones Universidad Pontifícia Salamanca, 1999.
HARRISON, K.; LODI, A.C.B. e MOURA, M.C. Escolas e Escolhas:Processo Educacional dos Surdos. In: LOPES FILHO, O.C. (org.) Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 1997.
OÑATIVIA, A. C. Método Integral: Aquisição da leitura e da escrita em dificuldades específicas de aprendizagem. São Paulo: Memnon, 2000.
OÑATIVIA, A. C. “Alfabetização em três propostas: da teoria à prática” São Paulo: Ática, 2009.
OÑATIVIA, O. V. Fundamentos psicológicos de los procesos de alfabetización. Revista del Instituto de Investigaciones Educativas, 1983. (Edição especial)
OÑATIVIA, O. V. Método Integral. Buenos Aires: Guadalupe, 1986.
OÑATIVIA, O. V.; ALURRALDE, R. G. Semiótica y educación. Salta: Yesica S.R.L., 1990.
SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientações Técnicas (DOT) Referencial sobre a avaliação da aprendizagem na área da deficiência intelectual. São Paulo: 2007.
TFOUNI, L. V. Adultos não alfabetizados – O avesso do avesso. Campinas: Pontes, 1988.
VYGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
     

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